segunda-feira, 9 de julho de 2012


Permaneci no hospital durante quinze longos dias. O tempo parecia não passar. Li uma vez que a percepção do tempo esta relacionada ao movimento. Dizia o texto que o cérebro humano mede o tempo por meio da observação dos movimentos. Se alguém colocar você dentro de uma sala branca vazia, sem nenhuma mobília, nem portas ou janelas, sem relógio, você começará a perder a noção do tempo. Por alguns dias, sua mente detectaria a passagem do tempo sentindo as reações internas do seu corpo, incluindo os batimentos cardíacos, ciclos de sono, fome, sede e pressão sanguínea. Então, quando tempo suficiente houver passado, você perderia completamente a noção das horas, dos dias ou anos. Estou exagerando para efeito didático, mas em essência é o que ocorreria.

Ao chegar a casa, as inúmeras restrições que se resumiam em não sair ao sol e não fazer esforço físico, aliado ao autoexílio imposto pelas cicatrizes, fez o fenômeno se repetir. Estava em prisão domiciliar. Enclausurado, limitado, abatido, passei os dias perambulando entre os cômodos do pequeno apartamento. A internet, válvula de escape, única janela com o mundo exterior já não era suficiente, mesmo assim o iPhone, sempre à mão, era esperança de que alguma notícia despertasse a atenção e me tirasse do transe.

A fisioterapia começou uma semana após sair do hospital. Incrível como levantar ou esticar o braço e abrir e fechar a mão se tornou uma tarefa quase heroica. Alongamentos, amassar bolinhas, abrir prendedores de roupas com o polegar e o dedo mindinho, entre outros exercícios aparentemente ridículos pôde melhorar a situação, mas acabou com a minha autoestima atlética (No dia anterior ao acidente, um domingo, havia corrido 10km pelas ladeiras da cidade achando fácil demais o percurso). Como comparar os 40kg no exercício de rosca direta (malhação de bíceps) com a atual dificuldade de fazer o mesmo exercício com um pesinho de 2kg?

quarta-feira, 4 de julho de 2012

O primeiro curativo

Ao chegar no Centro de Queimados do Hospital São Marcos, depois de preencher a documentação de praxe dos planos de saúde, fui levado para a sala número 2. Uma enfermeira e um cirurgião começaram as perguntas habituais sobre que tipo de substância havia provocado as queimaduras, local, dia, hora, etc. Sempre que era questionado sobre o local, respondia que havia sido em um restaurante e todos sempre perguntavam no que eu estava trabalhando naquele restaurante para provocar queimaduras tão extensas. Quando eu replicava que era apenas um cliente, todos ficavam perplexos.

- Como? Você estava almoçando? Perguntou o cirurgião.

Trincando os dentes de dor, tentava explicar todo o processo que levou ao meu infortúnio. 

- Veja, disse uma outra enfermeira mais experiente que havia chegado para ajudar a primeira, esse vai ser o seu pior curativo. 
- Por que? Perguntei quase com lágrimas nos olhos.
- É porque teremos que retirar todo este tecido morto sem anestesia antes de fazer o curativo.

O tecido morto era a pele de quase todo meu braço direito, ombro, parte direita das contas, etc. Depois de toda a tortura, feito o curativo, chega o cirurgião plástico responsável pelo setor de queimados e manda abrir todo o curativo para dar o diagnóstico inicial (o definitivo só seria dado depois de três dias). A enfermeira, quase enfartando, obedece. Ele olha, olha, diz que as lesões foram extensas e de 2º e 3º graus, pede que eu seja instalado no segundo andar do hospital e diz que fará o primeiro debridamento cirúrgico no dia seguinte.

domingo, 1 de julho de 2012

Aproximadamente às 12:00 do dia 14/05/2012, ausentei-me do meu local de trabalho e me dirigi ao restaurante Recife Antigo, situado à Rua Capitão Lima, nº 94, Santo Amaro, Recife/PE, a fim de almoçar e em seguida retornar às minhas atividades laborais de costume. Ao entrar do estabelecimento, dirigi-me à parte inicial do buffet para pegar pratos e talheres. No estabelecimento havia aproximadamente oito clientes e quatro funcionários na área destinada ao buffet. Apesar de já ter percebido falhas no treinamento dos funcionários do restaurante, haja vista constantes correções de uma funcionária mais antiga aos demais, continuei no intento de me servir, pagar pelos serviços e retornar ao local de trabalho. Ao aproximar-me do balcão de pratos quentes, uma funcionária, sem qualquer aviso prévio, agindo de forma imprudente e negligente, levantou uma das bandejas de comida e abasteceu com álcool um dos fogareiros que mantinham a comida aquecida. Ressalte-se que os fogareiros dessa parte do buffet não ficavam a mostra e sim abaixo da bancada de mármore, não dando qualquer possibilidade de defesa aos clientes em caso de um acidente. A funcionária não utilizou recipiente pequeno que contivesse pequena quantidade de álcool, mas aparentemente uma garrafa inteira. A tragédia ora anunciada efetivamente aconteceu com a explosão do recipiente de álcool, quando fui violentamente atingido pelo combustível em chamas. Inicialmente meu braço direito foi atingido diretamente pelo combustível que logo em seguida incendiou a camisa que vestia. Não houve nenhuma tentativa, por parte dos funcionários em extinguir o fogo que me atingiu. Como a responsável pela explosão também foi atingida pelas chamas, outra funcionária correu em sua ajuda conseguindo apagar o fogo que consumia suas roupas de trabalho. Na ausência de socorro e em total desespero, rasguei a camisa em chamas e com o corpo virado sobre o braço consegui apagar as chamas que o consumiam. Corri em direção à saída e fui socorrido por outro cliente que felizmente não havia sido vitimado, e estava próximo a mim quando da explosão, tendo o mesmo presenciado todos os fatos aqui denunciados. No caos que se seguiu fui levado por uma funcionária a um chuveiro de um banheiro do restaurante a fim de molhar as extensas queimaduras, numa vã tentativa de diminuir a dor. Após isso não obtive qualquer socorro por parte dos funcionários. Eu mesmo liguei para colegas que trabalho que providenciaram um carro para o socorro. Fui levado à Clínica de Queimados, situada na Av. Agamenom Magalhães, onde foram feitos os primeiros socorros e em seguida encaminhado para o Hospital Esperança para ser medicado para dor. No dia seguinte (15/05/2012) fui internado no setor de queimados no Hospital São Marcos, sob os cuidados de um excelente cirurgião plástico, onde segui internado por quinze dias. Fui submetido a três debridamentos cirúrgicos e outros procedimentos para tratamentos das queimaduras que, segundo o médico, atingiu pouco mais de 20% (vinte por cento) do meu corpo, sendo classificado como médio queimado. As queimaduras, em sua maioria, foram de 2º e 3º graus, atingindo primordialmente o tórax direito, sendo o braço mais atingido. Houve lesão na face direita e pescoço. As despesas hospitalares foram cobertas pelo meu plano de saúde, e as despesas com medicamentos, roupas e alimentos especiais para tratamentos de queimados comprados com recursos próprios. Estou fazendo uso de medicamentos para dor, sigo em tratamento fisioterápico para restauro dos movimentos do membro afetado, e certamente irei ser submetido a cirurgias estéticas.Esse foi o começo.